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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Imaginação x Realidade

Se tornou terrivelmente óbvio que nossa tecnologia ultrapassou nossa humanidade
EINSTEIN, Albert.



Estamos vivendo o período de maior desenvolvimento tecnológico nunca antes visto na história da humanidade. Uma prova disso é o crescente número de novas pantentes por ano registradas no escritório central de patentes dos EUA. Durante os 20 e poucos anos da minha vida a alteração causada pela tecnologia nas nossas vidas é absurda. Em 2007 era lançado o primeiro iPhone, antes disso não existiam smartphones. Hoje eles estão na mão de milhões de pessoas. Levou menos tempo pra essa tecnologia se espalhar do que a primeira viagem de circunavegação da Terra, primeiramente completada em 8 anos por Juan Sebastián Elcano. Ok, já chegamos na lua, tem um robô em marte, gravamos o primeiro vídeo de uma lula gigante na natureza, estamos nos preparando pra mineração de asteróides e construindo um motor de dobra, o que mais queremos do mundo? Pera aí? Motor de dobra? Mineração de asteróides? Sério mermo?

É sério! O imaginário da ficção científica do século XX está se tornando realidade na frente dos nossos olhos. Nós vivemos na era das imagens digitais, em que qualquer coisa é possível com modelagem 3D. Nossos pais sonharam com os Nazgûl, com os marcianos verdes, com câmeras em todos os lugares. Nós vimos isso no cinema num grau de realidade assustador. Nós jogamos jogos de guerra que nos transportam pra 1942 ou pra um cenário extra-terrestre ultra futurístico. Nós vimos isso com nossos próprios olhos, ouvimos os sons de aliens explodindo e de línguas desconhecidas que mal conseguíamos pronunciar em nossas mentes.

O que isso tem a ver com RPG? Tudo! A bagagem cultural dos mestres e jogadores interfere diretamente na forma como nós jogamos RPG. Eu comecei a jogar antes de existir playstation 2. Naquela época os jogadores inventavam cenas que eu nunca tinha visto antes, cada jogo era uma experiência de criatividade ímpar. Os personagens, mesmo que baseados em algum outro personagem pré-existente, tinham uma carga individual porque a gente não tinha tanto acesso assim a conteúdo, o que faltava nos filmes e livros a gente completava com imaginação.

Hoje em dia vejo em muitos jogos as pessoas tentando imitar cenas de filmes, personagens de jogos, fazer ações idênticas às que já viram, ou dando referências diretas pra isso. Por exemplo, aconteceu num jogo que eu narrava ano passado: Um jogador quis dar um tiro num zumbi de um jeito diferente. Ele tentou descrever a ação e não consegui entender. Daí ele falou "lembra daquela cena daquele filme, que o cara dá um soco no zumbi e..." sim eu lembrei da cena e entendi o que ele queria fazer. Minha mente não foi inundada de criatividade e imaginação, ao invés disso meu cérebro ativou a memória e tava lá a cena. O cara dá um soco no zumbi e quando o cano da pistola acerta a cabeça do bicho, ele puxa o gatilho. Algum problema? Aparentemente não, mas quando a maioria das ações que seus jogadores tomam são baseadas em coisas que eles viram antes, e não na capacidade individual de resolução de problemas - a mãe da criatividade - o jogo fica chato. Fica parecendo um mega clipe com todas as cenas de filmes, livros e hqs que você leu nos últimos anos.

Onde isso vai chegar então? Bom, nós temos muito mais conteúdo e referências hoje em dia e isso é bom. Nós podemos criar cenários muito mais complexos, podemos catar pequenos pedaços da personalidade de diversos personagens pra formar um novo. Podemos inventar um cenário inteiro da nossa mente, porque temos um universo de conteúdo imenso à nossa disposição, à distância de alguns cliques. Ao invés disso, o que acontece com muita frequência é ignorarmos nossa própria criatividade pra apenas pegar emprestado. Isso vai contra a regra 00 da bíblia do RPG: Todo jogador tem a liberdade de CRIAR dentro do universo, mesmo que isso vá contra as regras do sistema que você tá jogando.

O RPG clássico, de mesa, com livros e dadinhos, é um jogo em que as pessoas interpretam um mundo que só existe nas suas mentes. Pra isso funcionar cada um precisa emprestar ao jogo um pouco de imaginação, pra construir o universo. Se um dos jogadores não imagina nada, só fica reblogando referências sem sequer interpretá-las, ele tá vomitando conteúdo, não acrescenta em nada na vida de ninguém. Uma das maravilhas do RPG é o poder de expandir a mente das pessoas, esse cagão de conteúdo é só uma máquina de cntrl c cntrl v. Então senhores, ler muito, assistir filmes, ouvir músicas variadas, engolir o máximo de conteúdo que puder não é bom quandoo isso passa direto e você caga do mesmo jeitinho que ele entrou. A gente precisa digerir as coisas, criar nossas próprias teorias e hipóteses sobre as coisas. Porque quando a gente digere conteúdo, a gente aquece a fornalha da imaginação e é a fumaça dessa fornalha que forma os nossos sonhos. Pare e reflita sobre o que você acabou de absorver. É assim que a nossa mente se alimenta.
Lógica vai te levar de A a B. A imaginação vai te levar a qualquer lugar.
A imaginação é mais importante que o conhecimento
EINSTEIN, Albert.

 Um abraço do Mestre Suna.




6 comentários:

  1. Texto legal, mas sempre fico com o pé atrás quando falam que as cosias estão ficando pior.

    Porque isso sempre parte de uma falsa premissa, a de que antes tudo era melhor. Nesse exemplo mesmo...os antigos jogadores eram realmente mais criativos? Ou é só um achismo nostálgico?

    O próprio caso da cena do zumbi citada não faz muito sentido... aquela ação valeu por todo o rpg? Não podemos esperar que cada jogador faça a cada movimento uma coisa única, nunca antes vista... ninguém faz isso.

    O que eu vejo mais, principalmente em quem está começando ou nunca jogou, é um medo de criar, ou um desconforto. Hoje, eu vejo, que o principal problema do rpg não são os novos filmes, livros e contos, mas a popularização dos videogames. Nos videogames existem regras muito certas, limites, e os novos jogadores, já acostumados com isso, sabem explorar esses espaços. No rpg, sem limite, com inúmeras capacidades, a maioria se perde, não sabe o que fazer. Mas acho que ai já é outra conversa bem mais longa.

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    1. Caramba... são raros os que lêm posts grandes e ainda comentam. Victor, seja bem vindo ao blog, e obrigado pela participação!
      abraço!

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    2. Não é que hoje é pior do que antes. É que hoje temos um novo problema que não existia antes, isso não necessariamente torna o rpg de hoje menos divertido. Mas esse problema pode foder com seu jogo.
      Não é só um achismo nostálgico, a minha experiência (posso falar basicamente da minha experiência) com rpg era muito mais criativa quando eu tava começando. Na minha dura passagem de jogador pra mestre, eu passei a narrar pra novos jogadores e a maioria desses jogadores nasceram 3+ anos depois de mim. Essa diferença de idade é suficiente pra uma grande diferença de criação. Eu exercitei minha coordenação motora na rua, jogando bola. Esses caras exercitaram em casa, jogando capeonato brasileño 96. Eu nunca tive um znes, esses caras cresceram ganhando novos jogos de aniversário, enquanto eu pedia armas e bolas e bicicletas. Concordo que o maior problema são os videogames, que colocam a pessoa no controle de um set de regras a ser exploradas.

      Tem essa questão também que eu nem coloquei: o videogame cria esses jogadores que sabem explorar as regras pré-estabelecidas, daí quando eles pegam um rpg de mesa eles querem combar, ser os personagens mais assassinos, mais poderosos, vira o exploitation do sistema.

      Não é que hoje seja pior, mas acho que a questão da reblogagem infinita tem que ser olhada com cuidado, é um problema sério pra criatividade esse povo que não produz nada, só copia.

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  2. Excelente estréia no Blog, Suna!
    texto muito bom, rico em conteúdo. mt bom mesmo!
    Marcou sua entrada no blog hehehehe, abraço!

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  3. (fiz um mega comentario agora mas o google deu pau e apagou-o me deu preguiça então vou resumi)

    Hoje em dia nada se cria, tudo se copia.

    Eu faço um mega golpe das galaxias e depois q termino um jogador fala igual ao filme X. Eu estou tentando criar um livro diferente com novos conceitos e sempre esbarro em alguma coisa que já foi criada ou feita anteriormente, e não são poucas coisas. Nos filmes e livros ultimamente voce ve a mesma historia com cores diferentes, as vezes um personagem diferente mas no fundo existem umas 10 historias no maximo

    A. Seixas

    ps.:o Google não me deixou postar com minha conta

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    1. Cara, não é ultimamente. A jornada do herói, que o cara tem o chamado pra aventura, nega, daí ele recebe um ultimato, ele vai, pega seu parceiro de aventuras, encontra-se com o oráculo/sábio, pega as informações, se aventura, descobre onde tá a princesa, resolve o conflito, volta pra casa e vive feliz pra sempre, esse modelo de história é de 3 mil anos atrás, exatamente igual.

      Mas criatividade tá diretamente relacionada com o que já existe. Teoricamente a gente não inventa NADA do NADA. Pra tudo, a gente usa alguma coisa que já existia antes, resignifica, daí sim vira outra coisa. Você pode sim ser criativo só pegando coisas que já existem e misturando, isso é a mais pura criatividade, desde que você pense sobre isso e coloque seu dedo de racionalidade. Se vocÊ só copiar e colar, não tem criatividade envolvida. À partir do momento que você altera UMA VÍRGULA você já está criando.

      Olha a literatura, faz milhares de anos que a gente usa as mesmas palavras pra contar os mesmos sentimentos, usando os mesmos arquétipos de personagens e o mesmo modelo de história. Frakenstein de Mary Shelley é diferente do Frankenstein hollywoodiano de 1935 que é diferente do Frankenstein de 90, que é diferente de Frakenweenie, que é diferente do mordomo da Família Adams. Cada um tem sua particularidade e seu próprio significado individual.

      Quando alguém disser que o que ce tá fazendo já existe responda apenas "a diferença é que esse aqui sou eu que to fazendo" já é diferença suficiente.

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